25:A HOMENAGEM por jPinto


Amigos da terra mais bonita de Portugal, sou Mário Dias e escrevo esta missiva pelo seguinte:
Tenho 68 anos e penso que chegou a hora de que o meu município reconheça tudo que dei à nossa terra.
Deste modo gostava que marcassem um dia para me homenagear.
Eu, todos os domingos de manha, corria pelos nossos campos chegando a fazer 10 kms em menos de 20 minutos.
Provavelmente já passei pelos Doutores que estão a ler o que escrevo e tenho a certeza que nem me viram de tão rápido que era.
De facto, actualmente devo ser o homem de quase 70 anos mais rápido do mundo.
Adorava poder demonstrar a todos a minha velocidade, no entanto, acabei a minha carreira este fim-de-semana por recomendação do médico, pelo que acho que é a altura certa para a minha bonita homenagem por parte de Vossas Exas.
Tenho mesmo pena que não comprovem como sou veloz mas para verem que não estou a mentir faço questão de vos mostrar o atestado que recomenda a que eu não faça grandes esforços.
Gostava que convidassem um canal de televisão para me vir entrevistar, em compensação eu durante a entrevista direi algo do tipo "Sem o apoio da Câmara e das gentes daqui da terra, não conseguiria fazer 10 kms nem em 1 hora.".
Outra razão, pela qual penso que tenho mesmo de ser homenageado, está relacionada com a minha fidelidade, não à minha esposa obviamente, mas sim á nossa terra:
Fui nos anos 80 convidado para ir trabalhar para Lisboa, para a charcutaria do primo Luís e recusei pois entendi que não há salário que cubra as minhas corridas pelos caminhos "bem cuidados por vexas" da nossa terra.
O meu filho o ano passado colocou-me a hipótese de ir para um lar a 50 kms daqui e mais uma vez recusei. Se nunca sai daqui em quase 70 anos, não vai ser agora.
Acho um absurdo fazerem me uma estatua enquanto eu não finar, mas a homenagem penso que será inevitável, pelo que coloco aqui a minha disponibilidade: Gostava que a homenagem fosse num Domingo para que a família de fora possa vir assistir sem necessidade de faltar ao trabalho (o primo Luís não tem quem o substitua na charcutaria).
Aguardo com emoção que me digam algo, para que não tenha de me deslocar ai (o médico aconselha não fazer esforços).
Com os meus rápidos cumprimentos,
Mário Dias

Exmº Senhor:
Como compreenderá, é uma obrigação das Câmaras Municipais homenagear os seus munícipes que, numa ou outra actividade ou acção, se distingam e honrem, nessa distinção, a terra em que nasceram ou escolheram para viver.
Relativamente ao caso que nos apresenta na sua carta, não se vislumbra, do que relata, algo que justifique uma homenagem da Câmara Municipal – não obstante merecer o nosso aplauso e felicitações pelos seus atributos físicos invulgares.
De resto, e a acrescentar dados novos que justifiquem a homenagem que reivindica, a mesma será prestada sem necessidade de que Vª Ex.ª compense o Município com afirmações de reconhecimento à Câmara Municipal ou elogios públicos: as homenagens, quando são merecidas, não devem implicar nenhum agradecimento nem nenhuma «compensação».
Com os melhores cumprimentos
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António

Sr. Vice-presidente,
antes de mais congratulo-o por responder de forma pessoal à minha proposta de homenagem a mim próprio pelo que não me restam dúvidas que tal foi estudada devidamente e convenientemente deliberada pelos órgãos da nossa Câmara.
A C.M. de Vila Real de St. António promoveu recentemente a semana dos avós, como forma de homenagear todos os avós do concelho, e eu que por várias contingências da vida acabei por não ter netos, como fico? Será justa esta situação Sr. Vice-presidente? Que fizeram as pessoas que tem netos para os ter? Será que o contributo dos avós para o nascimento dos filhos dos filhos foi assim tão decisivo que justifique que eles sejam homenageados e eu não? Provavelmente estes avós todos mal andam, quanto mais correr e atingir as velocidades que eu até à semana passada atingia. Pode ser impressão minha, mas às vezes até me parece que quando passam por mim na rua passam com um certo ar de gozo por serem reconhecidos pelo nosso Município e eu não.
Mas com orgulho posso lhe dizer que eu sempre respeitei todas as decisões e por isso queria propor que em vez da homenagem que Vexa me recusou " recusa cuja motivação eu compreendi", fosse atribuído o meu nome a uma Rua.
Pode ser uma Rua pequena, obviamente que não quero que troquem o nome da praça Marquês de Pombal por praça Mário Dias, até porque provavelmente os feitos desse Marquês foram diferentes dos meus "não vou dizer que foram melhores, porque foram feitos diferentes e nunca o vi a correr".
Também lhe pedia que não fosse dado o meu nome a um caminho "Caminho Mário Dias", a um lugar "Lugar Mário Dias" e muito menos a um Bairro "Bairro Mário Dias" pois é um pouco desprestigiante, no entanto se tiverem alguma avenida ainda sem nome eu aceito fazer parte da sua designação.
Deixo isso ao critério do Sr. Vice-presidente, que já me demonstrou ser uma pessoa de bom senso e com apreciável sentido de justiça social.
O Sr. Dr. entendeu que correr não é razão suficientemente forte para motivar uma homenagem pelo que, penso que não terá pejo em admitir, que no que concerne a designar um lugar com o nome de um corredor, já é prática comum (veja-se o caso do pavilhão Carlos Lopes na Capital e do Rosa Mota na Invicta).
Aguardo a decisão de Vexa.
Mário Dias
P.S. Quando atribuírem o meu nome, não haverá uma palavra de reconhecimento, nem de agradecimento ao Município, como Vexa me aconselhou:
Estou já a escrever um pequeno discurso e nele até consta uma parte em que digo "...pelo que Vila Real de Santo António é apenas o lugar onde nasci e de onde o destino quis que nunca saísse. Se os meus feitos não ocorressem nesta terra, seria em Monsanto, em Freixo de Espada à Cinta ou em Nova York que uma rua com o meu nome perpetuaria no tempo a minha memória".

3 comentários:

ComoVejoVRSA disse...

Olá João Pinto,

Já me tinha mijado a rir com os posts anteriores mas este está o máximo. Talvez porque incluí a cidade onde decidi viver. Talvez se tivesse proposto uma festa à autarquia eles tivessem aceitado pois têem uma vocação para as festas que até incomóda quem cá vive. Siga assim, cumprimentos, Jorge Fernandes

Nilredloh disse...

Olá João,

Estou estupefacto com o brilhantismo da sua prosa. Tenho chorado de tanto rir. À memória vem-me o Boris Vian, o "Cândido" e Camilo Castelo Branco.
Um abraço,
Jorge

Anónimo disse...

és o maior da blogosfera !
isto é a + alta loucura humana em letras.lol

abrço.
és o maior!
Ruben